Ai ela é toda boazinha, tão galera... Chata paca!
Sobre aprender a dar trabalho e mandar todo mundo tomar naquele lugar! Chega de ser toda do bem!
Oi, gente, eu por aqui de novo. Três dias seguidos, quem diria? Mas estou aproveitando essa criatividade repentina e colocando meus pensamentos no papel (ou no Google Docs) e compartilhando com vocês também. Não sei quanto tempo vai durar, nunca sei.
Eu já disse isso no meu último post, e acho que talvez até seja uma frase clichê de se dizer: tem poucas coisas que eu posso afirmar sobre mim. Sinto que já escutei e li isso diversas vezes, não sei onde. Também sinto que todos que dizem essa frase logo emendam milhares de coisas sobre si — mas isso não vem ao caso.
Dito isso, tem poucas coisas que eu posso afirmar sobre mim. E uma delas — e dessa eu tenho a mais absoluta certeza (infelizmente) — é que eu sou insegura. E olha que isso ainda é uma forma sutil de se colocar. Eu sou preocupantemente alarmantemente extremamente muito insegura.
Eu não sei exatamente de onde veio essa insegurança toda. Fico olhando pra trás e tentando localizar onde foi que essa angústia corrosiva de si mesma começou e até tenho algumas hipóteses. O bullying que sofri aos cinco anos por ter “dobras na barriga” — lembro exatamente do dia da mangueira na escola em que a gente ficava sem blusa e vários meninos apontaram pra minha barriga e perguntaram por que ela era daquele jeito, dando risada (e olha que aos cinco anos é logo quando a gente inicia a formar memórias) — e que durou alguns anos depois disso, o ambiente escolar hostil, ou talvez porque eu cresci com um pai notavelmente rígido, o qual eu sempre quis agradar, ou uma mãe triatleta que trabalhava em banco das oito às dez e que tinha feito tantas coisas magníficas, o que sempre me fez sentir que eu nunca seria o bastante, nem chegaria perto disso. Talvez uma mistura de tudo isso e fatores genéticos, enfim, isso aqui não é uma sessão terapêutica — pensando bem, é sim, de certa forma, mas o que quis dizer é que é impossível desvendar todos os meus traumas em um parágrafo. Faço terapia faz seis anos e ainda nem cheguei perto.
O fato é que eu sou, e muito.
E eu, como uma fiel devota dos exemplos, resolvi trazer alguns para vocês conseguirem compreender um pouquinho do que eu estou falando. De como chega a ser debilitante essa questão na minha vida (claro que, combinada com ansiedade e bipolaridade, é a tal da história do ovo ou da galinha, quem veio primeiro? (É o ovo, aliás, mas isso não é papo pra agora)).
Quando eu saio em uma mera caminhada, eu me importo com cada pessoa que passa por mim. Ou melhor, com o que elas estão pensando. E se eu sorrir e ela não sorrir de volta… Lá se foram pelo menos trinta minutos do meu dia tentando descobrir o que há de errado comigo, que nem um ínfimo sorriso retribuído eu mereço. Eu sei, muito provavelmente — ouso dizer que, noventa e oito por cento das vezes — aquilo não tem nada a ver comigo. Às vezes, a pessoa nem viu que eu sorri pra ela, ou simplesmente é porque eu moro em Boston, e os americanos (da costa leste, principalmente) não são as pessoas mais simpáticas do mundo, esses vagabundos do “primeiro mundo” (entre muitas aspas).
Ou toda vez em que estou numa roda de amigos e acabo falando muito, eu entro em uma paranoia de que todo mundo pensa que eu estou falando demais. Pra vocês terem uma noção, eu não tenho coragem nem de levantar pra ir ao banheiro, porque acho que as pessoas vão falar mal de mim pelas minhas costas (sim, eu fico segurando xixi por horas). Eu sei, eu sou transtornada, mas pelo menos eu reconheço — é um início, né? (Estou imaginando vocês respondendo “Sim, Laura”, quer dizer “Sim, Lau”, odeio quando falam Laura parece uma bronca).
Também sei que, no final das contas, ninguém está nem pensando na estranha que cruzou na rua ou no quanto eu falei (eu espero). As pessoas estão mais preocupadas com elas mesmas (eu espero novamente).
Eu sempre me achei uma pessoa muito rasa, desinteressante, sem graça, desatraente, apagada, e por aí vai (ai, tadinha dela). E como eu me vejo dessa forma (estou melhorando, prometo), a minha cabeça tem certeza de que todos ao meu entorno também me veem assim. Por mais que, racionalmente, eu saiba que isso é falso (ou não).
Então eu aprendi a observar. Sempre estou atenta a qualquer mínima mudança de humor, feição e tom de voz das pessoas ao meu entorno. Estou lendo um livro agora, recomendado por um amigo, de um escritor norueguês, e ele descreve esse meu sentimento perfeitamente ao falar de sua relação com seu pai:
“I knew his moods and had learned how to predict them long ago, by means of a kind of subconscious categorization system, I have later come to realize, whereby the relationship between a few constants was enough to determine what was in store for me, allowing me to make my own preparations. A kind of meteorology of the mind… The speed of the car up the gentle gradient to the house, the time it took him to switch off the engine, grab his things, and step out, the way he looked around as he locked the car, the subtle nuances of the various sounds that rose from the hall as he removed his coat – everything was a sign, everything could be interpreted.”
Karl Ove Knausgård
Claro que aqui ele está falando de uma pessoa com a qual ele convivia diariamente. Eu também me sentia assim com meu pai (o tempo todo). Ele não poderia colocar de forma melhor: uma espécie de meteorologia da mente. Essa tentativa de prever quando será um dia ensolarado ou uma tempestade (ou furacão), para que você saiba como ‘se vestir’ (comportar, no caso).
Mas ele cresceu e passou a não se importar tanto com as pessoas. Já eu? Sabemos a resposta. Eu tento ser a apresentadora do tempo do Jornal Nacional com a maioria das pessoas com as quais me relaciono. Porque, dessa forma, eu não desagrado ninguém ou faço com que me abominem repudiem odeiem mais ainda (porque, na minha cabeça, todos me odeiam — se não ficou claro, isso já é tomado como um fato).
Eu sei, eu sei, ninguém provavelmente me odeia — se odiasse, pra que estaria se relacionando comigo? E, novamente, as pessoas estão focadas nos próprios umbigos e nunca se eu gaguejei ou se eu falei por dois minutos e trinta segundos ao invés de um minuto.
Mas minha cabeça de merda não é racional assim nessas horas.
Eu tenho esse medo de que as pessoas não gostem de mim. E é um sentimento tão forte que eu acabo me moldando ou me podando, pedindo desculpas constantemente. E isso me impede de ser eu mesma. Por isso que eu disse aquela frase no começo: eu realmente não tenho muitas certezas sobre mim, se eu gosto daquilo mesmo ou finjo que gosto. Li um texto hoje aqui no Substack (Sou insegura logo, me torno egoísta do Inside tori’s brain) que colocou em palavras o que eu sinto muitas vezes:
“Desde que eu lembro eu sempre fui uma pessoa muito insegura comigo mesma, sempre me achei muito sem graça, muito fútil, muito rasa. Então quando eu recebia um pouco mais de afeto e amor que eu estava acostumada a receber, eu ficava tão feliz que colocava na minha cabeça que para a pessoa que me amava continuar me amando eu precisava fazer valer a pena. Eu precisava mostrar a ela que eu era interessante e me amar não era uma perda de tempo, que eu também poderia agregar em algo na vida dela.
Isso resultou em um surto de tentar ter uma personalidade mais marcante. Comecei a escutar todos os tipos de artistas, comecei a adquirir mais conhecimento sobre diferentes áreas, li livros, vi filmes e tudo que você possa imaginar, achava que assim teriam um motivo para me amar. Até porque, quem não iria amar alguém que sabe de tudo, escuta de tudo, lê de tudo e pensa sobre tudo?”
Essa vontade de ser gostada, de ser aceita, me leva a lugares extremos, pro cafundó do Judas.
(Parênteses aqui que eu não sei por quê, mas falar “cafundó do Judas” me lembrou daquela música "Hoje é domingo, pé de cachimbo" e também do apelido carinhoso que minha vó Zezé sempre me chamou: “Pedro Bó”. Ela tem demência senil, e não se lembra de muitas coisas hoje em dia, mas fui visitá-la na minha última vez no Brasil e ela me chamou de Pedro Bó. Nunca imaginei que ser chamada de Pedro iria me deixar tão feliz. Detalhe que minha mãe sempre quis ter um filho menino chamado Pedro, mas ela teve três meninas. Então, eu nunca gostei muito do nome Pedro, sempre senti que era a pessoa desejada que eu vim no lugar, sabe? Enfim, aquele dia eu amei ser o Pedro. Me alonguei demais aqui, desculpa.)
Confesso que foi dessa forma que acabei descobrindo alguns gostos que são genuínos, mas muitas vezes eu, para me sentir amada, me forcei a ser ou gostar de algo que não me interessava.
E sabe o que acontece? Eu acabo ficando menos interessante por isso. Porque é nítido quando alguém de fato tem interesse em algum assunto. E eu acabo sendo aquela pessoa que, para agradar, nunca discorda. E um dos meus maiores problemas: nunca diz não, nunca se impõe.
Eu não sei dizer não. Odeio quando sou colocada em uma situação em que claramente não quero estar e acabo aceitando por medo dessa palavra de três letras (e um acento) que carrega tanta coisa consigo.
Quantas vezes eu já não topei programas ou entrei em furadas por medo de dizer um simples “não, não gosto disso” ou “não tô afim hoje”, com temor receio de decepcionar alguém. E isso já me custou tanto. E as pessoas, quando percebem isso, acabam se aproveitando de você. Quando você não impõe um limite, você deixa de existir um pouco para si e passa a viver para os outros.
E foi desse jeito que eu acabei me perdendo. E o pior de tudo: no final das contas, ninguém gosta mais ou menos de mim por isso (eu acho). E, mesmo fazendo todo esse esforço, eu nunca me sinto o suficiente. Então, pra quê?
Mas nem tudo é tão ruim quanto parece (eu espero). Esse meu comportamento vale para muitos momentos, mas, ao mesmo tempo, existem paixões dentro de mim que me impedem de ficar me anulando ou diminuindo para caber nessa caixinha de pessoa agradável.
Tem alguns temas, como a depressão ou até saúde mental em um geral, ou algumas questões de valores (não sei porque não consigo pensar em exemplos tão claros agora, desculpa), sobre as quais eu falo com garras e dentes. Algo dentro de mim impede que eu me resguarde nesses casos e, honestamente, por mais que bata uma ansiedade depois, de vez em quando, eu não me arrependo quando coloco essas coisas pra fora. Talvez seja porque eu tenho o conhecimento, ou porque isso me atinge em um nível pessoal, mas nesses momentos toda a minha insegurança esvanece. É libertador, sinto quase que um orgulho de mim — quase.
E eu acho que eu tenho essa questão de não querer errar, porque é claro que não tem como você ser um expert em tudo, mas eu me pego sempre me desculpando ou voltando atrás em algumas falas (acho que já deu pra perceber). É o clássico “Ah, mas não sei, posso estar completamente errada” ou “Ah, mas não sei muito sobre esse assunto, desculpa”, sendo que isso acaba me tornando uma pessoa chata. Ninguém sabe tudo, e não tem problema em ter uma conversa em que você “erre” ou simplesmente não saiba. Ninguém gosta do sabichão, o famoso dono da verdade.
Eu nunca acho que sei o suficiente sobre nada, até com o meu bacharelado em neurociências, que eu passei quatro anos estudando, eu sempre me pego me justificando. Isso acaba me jogando pra trás, porque eu estou sempre com medo de dizer algo “incorreto”. E isso é burro — essa é a palavra mesmo. Porque é errando que se aprende, e um erro não te define (referência que, se você pegou, você é topíssimo). É exatamente aquela questão que você errou na prova que você vai aprender pra não errar de novo na próxima; é falhando que você vai se esforçar mais da próxima vez. Eu, pelo menos, sempre que erro, guardo muito mais do que quando acerto.
Por mais que eu me condene muito pelos meus erros, essa característica me leva a nunca querer me sentir dessa forma novamente. A melhorar na base do auto-ódio.
E, outra coisa: o mundo não gira em torno de mim. Ninguém está tão preocupado se meu cabelo está oleoso ou se eu falei cinco por cento ao invés de dois por cento. E se, caso alguém ligar, você quer mesmo uma pessoa assim na sua vida? Alguém que não pode ser contrariado? Alguém que não aceita nada que não sejam as próprias crenças? Eu não quero. Eu quero poder discordar sem medo, porque sei que vou ser escutada. E como o mundo seria sem graça se todo mundo pensasse da mesma forma… E como é sem graça o mundo de quem só se relaciona com pessoas da mesma mentalidade. Não concordar é estímulo intelectual, é fazer você pensar de outros ângulos, é talvez até fazer você se questionar de certezas que você teve sua vida toda sem nem saber o porquê.
Ninguém nunca vai saber “o suficiente”, e é isso que nos faz correr atrás de aprender mais. Deus me livre saber tudo de tudo! Como dizia Sócrates (olha aí ele de novo nos meus textos): “Só sei que nada sei”, e, convenhamos, ele sabia de bastante coisa.
Esse meu medo de não querer “dar trabalho” me gerou muito prejuízo. Eu me prendi por tanto tempo. Hoje (ou ontem) li outro texto por aqui (Eu odeio me sentir burra! do Conversa fiada) que coloca isso muito bem:
“Foi então que me vieram memórias de desde muito nova, em que sempre cobrei de mim muito mais do que podia. Eu precisava ser sempre inteligente, sempre prestativa e obediente, e caso acontecesse de eu não seguir esses comportamentos em alguma situação, eu me culpava por tudo e me sentia a pior pessoa do mundo.
Sem dúvidas, além de outros fatores, isso aconteceu porque fiz parte do famoso fenômeno da “filha que nunca deu trabalho”, e odeio esse “título”.
Essas autocobranças me geraram, então, muitas inseguranças: o medo de decepcionar os meus pais, medo do fracasso (e só sabe deus que fracasso seria esse), o desânimo por não conseguir me comunicar tão bem quanto as outras pessoas, a sensação de que estão sempre me julgando, o incômodo que sinto quando discordam de mim e por aí vai. Tem também a situação patética que acontece quando estudo algo: fico sempre me refutando ou me faço questões inimagináveis mentalmente para testar meu próprio conhecimento, como se eu estivesse me preparando para um grande debate (que nunca vai acontecer), e tudo isso de forma muito involuntária.”
E sabe o que aconteceu comigo? Foram tantos anos nessa prisão que, quando chegou um momento em que eu “precisei” dar trabalho, eu senti culpa. Eu tentava fingir que estava tudo bem quando não estava, eu não queria preocupar ninguém. Só que eu virei uma bomba-relógio, e isso acabou explodindo e, todo o trabalho que eu não tinha dado, eu dei um bilhão de vezes.
Quando eu tive o meu primeiro episódio depressivo, eu, com muito medo, comecei a tentar esconder, e fui guardando e guardando até que chegou num ponto em que desabei por completo. E quem estava ali em volta de mim teve que me segurar. O meu pior pesadelo se tornou real. E eu já estava num ponto em que eu não conseguia mais fingir e me resguardar. Eu, que me podava tanto, coloquei raízes nas pessoas, o que tornou tudo muito mais difícil. Porque raízes precisam de água e nutrientes, e nem todo mundo está oferecendo isso o tempo todo — nem deve, as pessoas precisam se manter também. E essa história me gerou prejuízos e traumas que demoraram muito para eu conseguir começar a aprender a lidar (e ainda estou aprendendo, seis anos depois).
Mas hoje, dia quatorze de junho de 2025, eu consigo olhar pra trás e reconhecer isso. Às vezes me pego querendo voltar às raízes. Mas eu aprendi que elas não necessariamente são pessoas. Claro que precisamos nutrir nossas amizades e relacionamentos e talvez colocar um raminho em cada um. Mas também podemos nos bifurcar em livros (que de fato gostamos), filmes, músicas, em passeios, devaneios, aulas, na arte, na escrita, no esporte, na ciência e até no próprio tédio. E isso me dá conforto. Não pelo meu medo de dar trabalho, longe disso, mas porque a gente precisa aprender a receber cuidado de maneiras diferentes.
E, sabe de uma coisa? É um porre ser essa pessoa boazinha, complacente. Rita Lee coloca isso muito melhor do que eu:
Tentar ser da galera, aceita ou "não odiada” só me torna chata paca.
“Nunca fui de agradar. E nunca fiz força pra isso.”
“Ser boazinha é um porre. Prefiro ser justa.”
“Não nasci pra ser unanimidade. Ainda bem.”
Rita Lee
Não sei exatamente como concluir — aliás, não sei de muita coisa. Mas, se você se sente um pouco como eu, às vezes um “foda-se” pode ser muito valioso. Você vai ficar ansioso se falar demais ou de menos, então foda-se. Você não tem controle nenhum de quem gosta ou não de você — por acaso você gosta de todo mundo? Claro que não. Assim como vão ter pessoas que não gostam de você, mas foda-se. E se alguém gostar menos de você apenas por ser você mesmo? Foda-se. Xô! Pega o beco!
Eu sou 100% como você e precisei encontrar um equilíbrio entre manter o que gosto nessa personalidade "boa demais" e eliminar pela raiz tudo que me tornava submissa e subjugada pelo olhar e a opinião do outro. É foda pra cacete: Percebo que é quase automático — natural — o modo como eu tento cair nas graças do outro, agradar, ser gostada. Mas não me anulo mais pra isso, o que já é uma baita de uma vitória.
Adorei teu texto e as referências à Rita Lee. Brilhante!
Me identifiquei contigo, Lau! Mas sabe, ultimamente tenho (tentado) colocar na minha mente que por mais que eu tente passar uma ideia, a percepção de quem vê é uma coisa incontrolável, ela vai tirar suas próprias conclusões independente do que eu fizer, e nisso comecei a desencanar (um pouco). É a tal subjetividade. Enfim, ótimo texto!